Exemplo de ética e liderança feminina, Ana Lúcia Bastos Mota é homenageada com Medalha da Abolição 2024

1 de maio de 2024 - 09:03 # # # #

Isabella Campos – Ascom Casa Civil – Texto
Helene Santos – Casa Civil – Foto
Rosane Gurgel – Casa Civil – Vídeo

A empresária está há mais de 30 anos no mercado, e recebe a Medalha da Abolição no próximo dia 3 de maio 

Eu gosto muito de uma música que diz ‘o acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído’. Então eu trabalhei muito, trabalhamos – referindo-se aos filhos e colaboradores-, enfrentamos muita coisa para tá aqui”. Foi assim, apresentando uma de suas músicas favoritas – Epitáfio, dos Titãs -, que Ana Lúcia Bastos Mota, de 78 anos, deu início a nossa entrevista. Pela sua ética, trajetória de sucesso e representatividade feminina no ramo industrial, a empresária será uma das homenageadas com a Medalha da Abolição 2024.

Estatura baixa, cabelo curto, sorriso no rosto, aura forte, comunicativa, presente e com uma palavra amiga para cada uma que cruza o seu caminho pelos corredores da empresa, que deu tanto trabalho para manter de pé. A “mulher que sabe onde pisa”, como fez questão de relembrar a forma que foi chamada em um especial jornalístico há anos atrás – em alusão ao ramo do porcelanato no qual trabalha -, externou o sentimento de honra de ser uma das condecoradas com a maior honraria do Estado este ano.

“Vou ser sincera, essa era uma homenagem que nunca passou pela minha cabeça receber”, comentou. “Essa homenagem não é só minha, é de todos que estiveram comigo, meus filhos e meus colaboradores. Receber uma honraria que leva o nome ‘Medalha da Abolição’ é muito forte, e isso me deixa muito feliz. Esse foi um trabalho de equipe, sozinha eu não teria feito nada”, completou a Ana Lúcia.

Hoje, Ana Lúcia é presidente da Cerbras, uma das principais indústrias de porcelanato e cerâmica do país. Tocada como uma empresa de família com mais de 30 anos no mercado, a empresa exporta para países como Estados Unidos, e tem consolidadas praças internas de vendas.

Início de uma história 

Apaixonada por fotografia e geógrafa formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Lúcia começou sua vida longe do ramo do porcelanato. Iniciou como profissional no quadro funcional do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem e da Telecomunicações do Ceará S.A (Teleceará). Até que o marido, José Tarcísio Mota Sá, pediu para ela trabalhar com ele no comércio de material de construção de sua família, a L.MOTA & Cia. No entanto, os negócios não foram tão bem, o salário fazia falta, fazendo Ana Lúcia pedir readmissão na Teleceará, dessa vez entrando como programadora, na década de 1970, aprovada em concurso interno.

“Meu marido era muito empreendedor. Quando eu namorava com ele, ele tinha uma fábrica de mosaicos. A família dele tinha uma loja de material de construção. O pai [dele] adoeceu e ele assumiu a gestão da loja, criou outras lojas de material, não foi só uma. Mas o sonho dele era a indústria. Então, ele montou, em 1990, essa fábrica. No dia do aniversário dele, dia 30 de março. E me chamou para trabalhar com ele [de novo]”, relembrou a empresária.

Localizada no Distrito Industrial III, no município de Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza, a Cerbras é fundada em 1990, e com ela, mais um desafio profissional para Ana Lucía: estar ao lado do esposo, nessa jornada empresarial – o sonho de José Tarcísio sendo alcançado. “Ele dizia: ‘Ana tu é dona’, e eu dizia que não tinha nascido para ser dona, e sim, para ser empregada. Mas a vida aconteceu, ele morreu, de repente, em um momento difícil da fábrica, e aí, eu tive que aprender a ser patroa”, contou.

Uma mulher, sobretudo, forte

Foi em 1994 que a empresária viu seus planos futuros se desfazerem e sua vida mudar completamente quando seu marido morreu, deixando sua empresa de cerâmicas, de onde, até então, era tirado o sustento da família, em suas mãos. “Não foi fácil. Em 2000 foi terrível”, relembrou Ana Lúcia.

Assumir uma empresa quando não era do ramo, ser mulher em um ambiente majoritariamente masculino, ter que conciliar a vida empresarial com a de matriarca da família Mota, e outros tantos desafios diários. Esse não era um caminho fácil de ser trilhado, fazendo Ana Lúcia pensar em desistir da vida seis anos após a perda do esposo, em um cenário onde a Cerbras estava em crise e os salários dos colaboradores estavam atrasados.

“Eu sempre tive muito respeito pelos colaboradores, então nós lutamos juntos e conseguimos sair do vermelho em 2002″, contou a presidente.

Cheia de orgulho da mãe, a filha caçula, Mariana, relembrou os momentos difíceis pelos quais a mãe passou, e fez questão de enfatizar que só foram superados por conta dos “valores” e da “força” da mãe. “Eu descreveria ela como forte, mas também muito humilde. Então, o começo dela, aqui na fábrica, foi irônico, porque quando meu pai faleceu, ela não se achava capaz de assumir [o controle da indústria] e então resolveu colocar executivos. E não deu certo”, contou Mariana. “E aí passamos uns anos, e esses foram os anos mais difíceis da Cerbras, até que ela resolveu assumir. E assim, ela não tinha uma formação, mas de uma forma muito espontânea e com esses valores dela, acreditando no time, na equipe, e sempre muito presente, conseguiu excelentes resultados. A empresa começou a crescer e hoje é o que é”, completou.

Depois que a empresária conseguiu tirar a fábrica do vermelho, em 2002, a Cerbras passou por ampliações e acumulou certificados de qualidade – como o entregue pelo Centro Cerâmico Brasil (CCB/ INMETRO) em 2010 – prêmios como o Great Place to Work por 12 anos consecutivos, estabelecendo-se entre as 25 melhores empresas para se trabalhar no Ceará. Atualmente, com Felipe, Ticiana e Mariana na direção, a fábrica conta com 1.300 colaboradores e mantém uma produção de porcelanato de 3.700.000m²/mês.

Valores inegociáveis 

Mariana acredita que os “valores inegociáveis” da mãe são o toque especial para o bom desempenho da empresa, mas, sobretudo, para a boa dinâmica diária no local de trabalho. “Ela sempre foi uma pessoa à frente do tempo, a forma dela pensar, ela tem valores muito fortes e inegociáveis. A questão da ética, da honestidade, e isso é uma coisa que ela sempre pautou muito em nossa educação e ela levou isso para fazer parte da cultura da empresa”, enfatizou.

Assim, admirada por suas ações, e por não abrir mão de seus valores, Ana Lúcia tornou-se, não apenas uma das figuras mais importantes do cenário industrial cearense, mas uma pessoa presente, diretamente, na vida – e nas mudanças de vida – de seus colaboradores. Ana Cristina, supervisora de tesouraria, funcionária da empresa há 30 anos, ressaltou esse bem-querer de todos com a presidente.

“Trabalho com a dona Ana há 30 anos, trabalhei também com seu Tarcísio. E, para mim, não tem como falar dela sem se emocionar, ela é extraordinária, sempre foi uma boa líder e nos ensinou muito. Uma guerreira. Todos aqui têm muito carinho por ela, e não tem um funcionário que não seja grato por tudo que ela faz pela gente”, pontuou Ana Cristina. A Cerbras foi o seu primeiro emprego, onde permanece até hoje. “Nós aqui trabalhamos com dedicação, por ela ter sido uma pessoa tão boa para nós, ter nos proporcionado várias oportunidades, com estudo, casa própria, tudo”, completou.

A filha Ticiana, que começou a trabalhar na empresa a convite da mãe, reforçou a fortaleza da mãe e sua transparência como os grandes motivos de superação dos momentos difíceis e da criação de um vínculo forte, de amizade e respeito, com todos os colaboradores. “É uma liderança muito transparente, sempre foi, e muito ética. Ela é muito divertida, e faz o que poucos chefes fazem, ela gosta de almoçar com todo mundo, com os colaboradores, ela conversa com todo mundo, ela gosta de ouvir histórias, ela gosta de contar as histórias dela. Então, assim, todo mundo sente uma proximidade muito grande dela e criamos um vínculo forte com cada uma aqui”, comentou.

Merecimento

Ao lado da mãe durante toda a jornada à frente da Cerbras, Ticiana externou o orgulho que sente da mãe ser homenageada com a Medalha da Abolição, mas brincou dizendo que não era uma surpresa. “Estamos muito felizes e honrados por ela receber a Medalha da Abolição, que é a maior honraria do Estado, mas não fico surpresa, porque eu acho que ela é muito merecedora dessa medalha. Ela tem uma história que é uma linda jornada de luta, de coragem, de superação e, principalmente, de humildade”, ressaltou Ticiana.

A supervisora de tesouraria Ana Cristina concordou com Mariana, e acrescentou o orgulho de saber que Ana Lúcia compartilhou esse momento com todos os colaboradores. “A gente fica com muito orgulho, e ela realmente merece essa homenagem. Porque tudo o que ela fez, ela sempre compartilhou com a gente, sempre nos deu oportunidade pra tudo, ela sempre diz que é um trabalho de equipe, e nunca foi só para ela. Então, hoje, também nos sentimos honrados”, concluiu.

Medalha da Abolição

A comenda, instituída em 1963, é concedida pelo Governo do Estado em reconhecimento a personalidades que desenvolvem um trabalho relevante para o Ceará e o Brasil. A solenidade de entrega será realizada no dia 3 de maio, no Palácio da Abolição, em Fortaleza