À luz da sensibilidade: cineasta Luiz Carlos Barreto é homenageado com Medalha da Abolição

3 de maio de 2024 - 10:58 # # # # #

Larissa Falcão – Ascom Casa Civil – Texto
Divulgação e Hiane Braun – Casa Civil – Fotos
Rosane Gurgel – Casa Civil – Vídeo

 

Comenda será entregue nesta sexta-feira (3), no Palácio da Abolição

Farol para o cinema e a cultura no Brasil. Assim pode ser definido o legado do cineasta cearense Luiz Carlos Barreto Borges, radicado no Rio de Janeiro. Aos 96 anos de idade, dos quais mais de 60 dedicados à sétima arte, Barreto é um dos seis agraciados com a Medalha da Abolição de 2024. A Comenda será entregue nesta sexta-feira (3), no Palácio da Abolição, em Fortaleza.

Barretão, como é conhecido, é um profissional multifacetado que atuou como repórter e fotógrafo, no jornalismo, e roteirista, diretor de fotografia, produtor, entre outros, no cinema. Com olhar sensível e engajamento social, ele foi um dos importantes jovens cineastas que criaram no Brasil, na década de 1960, o Cinema Novo. Um movimento cinematográfico revolucionário que contribuiu para elevar o propósito e a estética do audiovisual brasileiro, ganhando reconhecimento do público e da crítica dentro e fora do País.

O amor pelo que faz transcende a vida profissional de Barreto, sendo também um forte vínculo familiar. O cineasta é casado com a produtora Lucy Barreto, 91, que fala sobre a parceria de 70 anos. “Vivemos uma grande aventura cinematográfica iluminada pela luz do Luiz Carlos e pela trilha sonora da Lucy. Viva o cinema brasileiro. Viva o cinema”, sublinha.

Da união, nasceram três filhos: Fábio, falecido em 2019, Bruno e Paula – todos cineastas. Os filhos fazem parte da L.C Barreto, produtora cinematográfica fundada pelo casal em 1963. Segundo Lucy, são mais de 100 produções, entre longas, curtas e seriados, que se entrelaçam com a história e evolução do cinema nacional, da América Latina e do mundo.

Sobre a homenagem ao pai, Paula Barreto afirma: “Ele diz que as três paixões da vida dele são a Lucy, mamãe, o Flamengo, e o cinema. Nós sempre fomos muito unidos por essas três paixões. Eu considero que posso estender essa homenagem a minha mãe também, porque eles fundaram a nossa empresa e sempre trabalharam juntos”, reconhece.

Em março deste ano, Barreto foi homenageado, também pelo Governo do Ceará, pelos serviços prestados ao audiovisual. A iniciativa marcou os 100 anos do cinema cearense. Na oportunidade, o cineasta atribui seu legado à sua origem sertaneja. “Se tudo isso aconteceu verdadeiramente, eu só devo atribuir a uma coisa: ao meu espírito cearense, sobralense e nordestino. Nós somos, antes de tudo, sobreviventes dessa desigualdade social que até hoje reina no Brasil”, pontuou.

Na solenidade de entrega da Medalha da Abolição, que será realizada nesta sexta-feira (3), em Fortaleza, Luiz Carlos Barreto não estará presente, pois se recupera, no Rio de Janeiro, de uma cirurgia realizada após acidente doméstico.

Do Ceará, terra da luz

Luiz Carlos Barreto nasceu em 20 de maio de 1928, em Sobral, sendo o mais novo dos onze filhos do casal Raimunda e Anastácio Borges. Após três meses do nascimento do caçula, a família se mudou da região Norte do Ceará para Fortaleza. Quando Barreto tinha três anos, o pai e o irmão mais velho partiram rumo à Bahia, em um caminhão adaptado irregularmente para transportar pessoas, conhecido no Nordeste como pau de arara. Os dois saíram para trabalhar na construção de uma estrada, e nunca mais regressaram.

Anos depois, chegaram notícias de que o irmão acabou preso em Santa Catarina, acusado de integrar o Partido Comunista na década de 1930. Posteriormente, o irmão foi encontrado morto – a causa teria sido suicídio. Para ter uma renda e cuidar dos outros filhos que criava sozinha, dona Raimunda transformou a casa em uma pensão.

Esses fatos marcaram profundamente o cineasta. Entretanto, Barreto diz que tudo isso fortaleceu o seu espírito de recuperação. Tanto que, desse período, guarda outras memórias que revelam o retrato de uma infância livre e agradável perto do mar. Um menino que amava jogar futebol na 24 de maio, rua da capital alencarina que ele usou de inspiração para criar e batizar o time amador. O futebol, na verdade, era para ele uma escola de democracia, onde meninos de diferentes classes sociais se encontravam.

Em Fortaleza, Barreto estudou no Liceu do Ceará e no Colégio Castelo Branco. Por conta do bom desempenho em português, ele começou a trabalhar como revisor de texto em um jornal do Partido Comunista, o Democrata. Na época, ele era considerado uma liderança da juventude comunista, o que preocupava a família, tendo em vista que o Partido foi colocado na ilegalidade.

Em 1947, o jovem saiu do Ceará, mudando-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde residiam alguns irmãos dele. Na capital fluminense, deu seguimento à carreira no jornalismo, trabalhando, primeiro, como repórter nas revistas Cigarra e O Cruzeiro, e posteriormente fotógrafo. Nesse período, conheceu Lucy, uma jovem que iria se tornar sua companheira de vida e obra.

Ainda no jornalismo, Barreto cobriu as Copa do Mundo de 1950, no Brasil, e de 1954, na Suíça. Na Europa, inclusive, era correspondente da revista O Cruzeiro em Paris, onde morava desde 1953 com Lucy, que estudava na capital francesa. Juntos, os dois mergulharam no cinema e se casaram na cidade luz.

“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”

No retorno ao Brasil, não demorou muito para que Luiz Carlos e Lucy encontrassem conexões com jovens cineastas, como Glauber Rocha, que desejavam lançar outro olhar para o audiovisual brasileiro. Desses encontros de espíritos criativos e inconformados com a realidade social, criou-se o Cinema Novo, movimento que revolucionou a estética do cinema nacional.

A ideia era descolonizar o jeito de pensar e fazer cinema, ir na contramão da linguagem hollywoodiana, para criar narrativas mais plurais sobre um país diverso e profundamente desigual. A frase “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” é usada para definir esse momento de efervescência.

A primeira experiência de Barreto foi como roteirista de O Assalto ao Trem Pagador (1962), um filme de gênero policial dirigido por Roberto Farias. A estreia superou as expectativas em relação à bilheteria e crítica especializada. Depois, ele trabalhou como diretor de fotografia em Vidas Secas (1963), filme de Nelson Pereira dos Santos baseado no romance Graciliano Ramos. Barretão, portanto, é considerado um dos criadores da imagem do Cinema Novo.

A entrega ao cinema foi inevitável para o casal Luiz Carlos e Lucy, que acabou transformando a casa, no Rio de Janeiro, no centro do Cinema Novo. Um passo para dar origem à produtora L.C Barreto, criada em 1963. Ao longo das décadas, a L.C consolidou-se como referência na produção de longas-metragens, curtas e seriados para a televisão. São mais de 100 títulos em 60 anos de atividade.

Entre os filmes de grande sucesso estão os clássicos: Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), dirigido por Bruno Barreto; Bye, Bye Brasil (1980), de Cacá Diegues. E os indicados ao Oscar de melhor produção estrangeira: O Quatrilho (1995), dirigido por Fábio Barreto; e O Que É Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto.

Em constante movimento, a produtora se prepara para lançar novos filmes: Traição Entre Amigas, comédia dirigida por Bruno Barreto; e Deus Ainda É Brasileiro, uma continuação de Deus é Brasileiro, ambos com direção de Cacá Diegues.